Notícias Institucional


18/09/2020

Crise ambiental prejudica comércio e capital

ENTREVISTA

Roberto Waack / coordenador do comitê de sustentabilidade da marfrig Executivo alerta que as leis contra o desmatamento ilegal têm de ser cumpridas, independentemente da vontade política, e é isso que a sociedade está cobrando

Roberto Waack, membro do Conselho de Administração e coordenador do Comitê de Sustentabilidade da gigante da indústria de carnes Marfrig, e um dos criadores da Coalizão Brasil Clima Florestas e Agricultura, alerta que a cri se ambiental pode levar a um boicote de produtos brasileiros no exterior e dificultar o acesso a capital a empresas, especialmente as do agronegócio. O próprio setor de carnes, por muito tempo alvo de críticas na área ambiental, uniu-se a outras empresas e à sociedade civil para cobrar uma ação urgente do governo. Para Waack, passou o momento de debate político sobre o desmatamento. É preciso punir os desmatadores, suspender a legalização fundiária de quem devastou e reforçar a fiscalização. Ele admite que a luta será longa, mas ressalta que esse movimento do setor empresarial na cobrança do governo é inédito e muito positivo.

Em julho, um grupo de empresários cobrou do governo ações efetivas contra o desmatamento, e o vice, Hamilton Mourão, prometeu metas. Mas as queimadas e o desmatamento continuam a crescer. Qual a importância dessa nova mobilização dos empresários?

Este movimento é da sociedade como um todo. Recentemente, o setor financeiro também se engajou. As ações começam a se tornar mais concretas e objetivas, como este documento da Coalizão. Aquele movimento dos empresários era do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), que faz parle da Coalizão, e agora entramos na fase do "como". As primeiras manifestações foram de sinalização de que o tema do desmatamento e das mudanças climáticas preocupa o setor empresarial, e agora entramos no debate de medidas concretas. Uma parte das medidas que estão sendo desenhadas ou geridas por parte do governo, mas ainda não se transformaram em ações reais. Há uma ação importante dos militares (no combate ao desmatamento), mas o que queremos é algo mais estruturante.

Mas os dados de execução do Orçamento indicam que o combate ao desmatamento não parece prioridade do governo, sem uma visão estratégica...

Sem dúvida, esse é um tema que nos coloca no mundo e nos tira do mundo também. Dependendo de como tratarmos a discussão da Amazônia e do desmatamento, entramos ou saímos do mundo comercial. Não tenho a menor dúvida de que um país que tem o patrimônio natural do Brasil precisa tê-lo como prioridade estratégica. O mundo cada vez mais valoriza isso, e o Brasil tem uma posição extremamente favorável. Nós temos a ganhar com o crescimento dessa situação. Temos que sair de uma situação em que somos vilões para uma em que sejamos heróis, e nós podemos fazer isso. A Coalizão e a sociedade indicam que isso é possível.

0 agronegócio brasileiro é um dos mais eficientes do mundo. Mas pode sofrer pela imagem externa do país, a despeito das práticas ambientalmente corretas que algumas empresas adotam. Vocês já sofrem boicote?

Essa discussão internacional sobre o Brasil e a Amazônia afeta não apenas as relações comerciais, mas também o acesso a capital. A Marfrig, diretamente, ainda não teve nenhum impacto, como boicote ou perda de mercado, mas, evidentemente, temos recebido sinalizações de que isso é relevante. Isso pode, sim, afetar tanto o comércio como o acesso a capital. Nós não achamos que boicote seja a melhor alternativa para que um país mude sua posição em relação ao desmatamento, porque esse tipo de ação acaba afetando mais a população vulnerável. O que acreditamos, como Marfrig e Coalizão, é que são necessários instrumentos de controle, com tecnologia para a fiscalização, e fazer com que isso mude internamente. Acreditamos em ponderações concretas, ações muito objetivas.

Que ações objetivas?

Primeiro, recursos para os órgãos que trabalham com proteção ambiental, tanto humanos como financeiros, além do maior uso de tecnologia para monitoramento. E punir, punir de verdade, aqueles que estão fazendo atos criminosos. Nós temos as leis necessárias para coibir o desmatamento, o que precisa é reforçar a estrutura de monitoramento e controle, como Ibama, ICMBio, Funai, e punir de verdade. Este é o primeiro conjunto de medidas. A outra frente que precisamos enfrentar é que a maior parte do desmatamento é ilegal e ocorre em florestas públicas. E isso parece óbvio: não se pode aceitar registro fundiário de terra que era floresta pública. Você não pode conceder regularização fundiária a quem desmata ilegalmente. As coisas precisam conversar. Não se pode conceder créditos públicos a quem desmatou ilegalmente. Parece óbvio, mas agente não está fazendo isso. E é preciso dar transparência para todas as autorizações de suspensão de vegetação: estas informações precisam ser públicas para que a sociedade possa ajudar o governo no monitoramento.

São medidas concretas.

Mas muitos integrantes do governo estão minimizando o problema, não há alocação de recursos... O governo tem interesse em resolver a questão ambiental?

Você trouxe um ponto: politicamente, se quer fazer? Há uma discussão muito intensa sobre se cabe a discussão política de cumprir a lei. A lei tem que ser cumprida, independentemente de uma decisão política. Na medida em que a sociedade sinaliza isso, ela está dizendo que esta não é uma discussão política, é uma discussão que tem um fundamento legal, a lei tem que ser cumprida, quem desmata tem que ser punido, e o governo tem que estar preparado para monitorar quem desmata, quem desmata não pode ter regularização fundiária. Pode parecer óbvio, e é, mas essa é a mensagem. A gente não tem que criar ambiente legal, a lei tem que somente ser cumprida. A força do empresariado dizendo isso é relevante. O que a sociedade está sinalizando é: governo, aqui estão os instrumentos, está nas suas mãos.

Na prática, o governo não está cumprindo a lei?

Tem uma parte muito grande da lei que não está sendo cumprida, o desmatamento ilegal é evidente, e o governo precisa agir para fazer com que essas coisas não continuem. A lei tem que ser cumprida.

Se isso gerar boicotes, e prejudicar as empresas, elas podem entrar na Justiça contra o governo?

Eu acho que é possível, não sei se ela será efetiva diante da urgência destas ações. O trâmite legal é um trâmite moroso. Não acho que este é o caminho. Acreditamos no caminho de diálogo, de sinalização do caminho. Nós queremos estabelecer um diálogo com partes e frentes do governo que estão sensibilizadas com isso, se você olhar as posições do presidente do Banco Central, de uma parte relevante do Ministério da Agricultura, de uma parte relevante do Ministério da Economia, queremos o diálogo. É mais pelo diálogo que por uma confrontação no campo jurídico.

É possível ter diálogo com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, criticado em fóruns internacionais e no país?

A Coalizão acredita que o diálogo é sempre possível. Não é o caminho escolher alvos personalizados, não é essa a linha da atuação da Coalizão ou da Marfrig. Existe uma pessoa empossada, se existem divergências, vamos tentar achar caminhos.

O que está em jogo, n a prática, para a economia do país e das empresas com a piora do desmatamento, e qual o prazo para evitar boicotes e o fim do financiamento externo?

Não existe um prazo. É hiper urgente. O  que se espera é uma mudança de tendência, nós todos reconhecermos que não dá para fazer uma mudança radical em uma tendência que está acontecendo, mas é preciso reverter esta curva. E isso passa pelo que defendemos: é preciso começar a punir quem faz o desmatamento ilegal. É preciso suspender a legalização fundiária imediatamente de quem fez desmatamento. Atos como estes são percebidos como atos de mudança de tendência muito grande lá fora. O caminho é vir com ações concretas, e estas ações é que vão reduzir a tensão internacional, mas elas precisam ser fortes, a punição precisa ser urgente.

Pessoalmente, o senhor está otimista ou pessimista com a questão ambiental no país?

Acho que a luta vai ser longa. Mas nunca esses temas foram discutidos com tanta intensidade pela sociedade. O ineditismo do envolvimento da sociedade, do setor financeiro, do mundo empresarial é para mim algo muito positivo. Uma coalizão que consegue fazer com que mais de 200 organizações e empresas, juntas, falem "governo, este é o caminho", é algo muito forte. Por isso, digamos, sou moderadamente otimista, de que estamos no rumo de melhorar as condições da produção com a conservação do planeta, muito especialmente no Brasil, que tem as melhores condições do mundo para que isso aconteça.

    
Veículo: O GLOBO - RJ 
Editoria: ECONOMIA 
Tipo notícia: Entrevista
Data: 18/09/2020 00:00
Autor: HENRIQUE GOMES BATISTA